CONTOS
DA BEIRA DO RIO AMAZONAS
OS
ENCANTOS DO POÇO DO MATO
A lata de manteiga bem ariada, é
instrumento de trabalho de Nega Piedade, rebolando as cadeiras ela desce
preguiçosa e com ares de princesa de ébano as ladeiras que circundam o entorno
do POÇO DO MATO, cantarola sem letra uma canção indecifrável aos ouvidos dos
mortais.
Ela retira com cuidado os cipós que
atrapalham seu caminho e segue sorrateira como uma cobra a dar o bote. No lado
esquerdo um pedaço de pano no ombro, puído pelo tempo e no braço direito a
famosa lata de manteiga que serviria para levar o liquido precioso para os
patrões degustarem após a ceia matinal e para ajudar nos afazeres domésticos.
Negra Piedade brilha na sua cor lustrada
pelos raios dourados do sol que banham aquela manhã, e ela num misto de magia
faz parte de uma aquarela. O POÇO DO MATO tornou-se inatingível, distante, e a
negra no viço da idade não percebe, o canto do pássaro é sua companhia, e a
caminhada é longa, ela levanta a blusa, mostra seus seios rijos ao sol e enxuga
o suor da testa.
Ao abrir os olhos o POÇO DO MATO surge
como por encanto a sua frente e suas águas jorram como faíscas prateadas
lavando o céu.
Piedade é só alegria, suas companheiras
não apareceram e ela agradece por não ter que dividir espaço com ninguém em
busca da água. A negra furtiva e exausta da caminhada observa se alguém se
aproxima, seu suor é forte nas entranhas, seu cabelo carapinha, e os calos nos
pés são esquecidos por um momento e ela se entrega aos sonhos, sentada ao redor
do POÇO DO MATO encantado, dos Campos do Laguinho.
O Moço branco de camisa engomada,
perfume francês estende-lhe suas mãos, e Piedade não recusa seu convite,
levanta assanhada, arruma os cabelos, ensaia seu sorriso mais branco, balança
as cadeiras, empina os seios num frenesi e exclama: sou toda sua Sinhô!
O moço ergue-a do solo, levita com ela
naquele cenário e Piedade emudece, os pássaros continuam a cantar, as arvores
deslizam suavemente ao balançar do vento e a brisa que sopra não a desperta de
seu sonho irreal.
O POÇO DO MATO é a única testemunha da
Negra Piedade e cúmplice em seu prazer carnal. As horas são intermináveis e
preocupam os seus patrões, seus conhecidos e os vizinhos da negra Piedade.
Escurece, a Rasga Mortalha solta seu grito
ensurdecedor, o céu tem muitas estrelas, o vento é frio e o Poço do Mato
assustador, negra Piedade não voltou, os moleques correm com lamparinas pelo
mato, cachorros servem de companhia a procura de negra Piedade, e nem sinal
dela. A noticia se espalhou, o seu sumiço é comentado em todas as esquinas, e
em todos os bairros, a população que mora na Favela e no Elesbão ficam
estarrecidos.
As lavadeiras e as carregadeiras de água junto
com as moças virgens são proibidas de irem ao Poço do Mato sozinhas.
Por que?
Negra Piedade foi ENCANTADA no Poço do
Mato dos Campos do Laguinho.
“Olha
sinhô,
Olha
sinhô
No
poço do Mato
Essa
Negra se encantou...”